CABANA ABANDONADA

Meus pés são raízes da vida real,
Encravados noite adentro 
Na minha aflição.

Meu sombrio dilema:

Me reinventar a noite?

Ou perturbar seu dia?

Hoje,

Sou cabana esquecida no meio do lago

E a solidão de tocaia me abraça.

Presa fácil 
Nos seus tentáculos de palavras afiadas,

Privando minha reação,

Despedaçam-me.

Hoje,

Sou pequenos pedaços soltos no ar,

Pedacinhos de azul atropelando o céu.

E voei

Com os pássaros 
Que brincavam de beijar a luz do sol,

Luz que traduzia em cores

Meu destino,

De uma paixão materializada no vento,

As vezes forte, avassaladora.

As vezes suave, como o respirar.

E voei mais alto

E o aroma que me envolvia 
Era de liberdade,

Que contagiava as flores,

Folhas e qualquer olhar.

E assim, dançamos...

Ao som do silente ventar.

Essa música, tímida e inebriante,

Embalava os fragmentos da minha demência.

Não queria mais ser limitada

Estátua de carne.

E sim, e sempre,

Luz e cor.

E tocar seus sonhos

E estar em tudo no seu olhar.

Uma ação distante

Disfarçada de beijo,

Pra ferir, de forma irreparável,

O meu destino.

RONRONAR

 

Preciso com urgência

Achar uma forma

De engarrafar seu dengo

Seu ronronar manhoso

Para usar 

Em pequenas doses homeopáticas

Pra combater meu banzo indomável

Minhas lastimas desgovernadas

 

 Eliane Rudey

SORRATEIRA

 

Não tenho mais

O frescor da juventude

Os encantos da puberdade

E não quero competir

Com quem tem menos idade

As belas formas se foram

Desabitaram-me

Se é tédio, amor, o que sente

Sinto muito

Isso é tudo

Que posso te oferecer

 

Quatro paredes 

E beijos ardentes.

 

Eliane Rudey

 

A MESMICE

Nossos encontros
São emoldurados de desapego
E ao mesmo tempo
Temperados pelo bem querer

 

São sempre

Surpresas delicadas

Escadas secretas.

Que levam até você.

O instinto aflora,

Os olhos se procuram,

As mãos se tocam,

E a fuga acontece!

Quero tudo de novo:

Os mesmos olhares,

Os novos beijos,

Os velhos sorrisos.

Quero sempre:

A mesma cama,

Os novos passos,

As velhas conversas.

Quero muito:

O mesmo vinho,

As novas uvas,

As velhas taças.

Quero só mais uma vez: 

Os mesmos espelhos,

Os novos reflexos,

As velhas estrelas.

Eliane Rudey

DECIFRA-ME

Estou começando a decifrar
Esse bicho que você disfarça.
Me provoca de propósito.
Quer mais emoção.
Raiva!
Reação!

Você é totalmente enigma,

Tento todos os dias te desvendar.

Provoco, brinco.

Você responde,

Mas não se revela.

Preciso preparar novas charadas.

Que sejam engraçadas.

Pra você continuar a se mostrar.

Esse bicho inquieto

Precisa de novidade, extravagância.

Desafios difíceis, contenda de horas.

 

Você acelerado!

Eu sofro de inércia!

Adoro a mesmice, a monotonia.

Casa. Trabalho. Academia.

Você quer tudo novo.

Navegar por mares bravos.

Mundo insano ou ironia do destino?

Dois opostos, bem dispostos,

Tentando.

Eliane Rudey

MALBEC

 

Teu cheiro

Teu gosto

Não sei  se te bebo

Ou se te despedaço

Em partículas possíveis de inalar

Pra acalmar minhas neuras

Pra preencher as reticências

Das minhas vontades...

Eliane Rudey

PROIBIDÃO

Eu nunca vou te contar
Que estremeço inteira
Quando teus olhos cruzam
Acidentalmente com os meus.

Eu nunca vou te dizer

Que tua voz

É melodia que diverte

Mesmo cantando desafinado.

Eu nunca vou confessar

Que sentir seu cheiro

É meu momento favorito

Do  dia inteiro.

Eu nunca vou revelar

Que já sonhei com seu beijo

Numa explosão jovial

E acordei envergonhada.

Eu nunca vou sussurrar

Que há um grito preso na minha garganta

Ansioso pra explodir num clichê:

Te quero!

Eliane Rudey

PASSEIO

No meio da imensidão verde:
Árvores, águas
Chuvas, estradas
Montes, pontes
O amor latente no meu ser confuso
E assim
Como um gesto de desespero
Pedi ao universo que me enviasse um sinal
E como mágica
Num momento de profunda introspecção
Um beija-flor pousou na minha mão
Então
Essa imagem alegre
Tomou conta de tudo
Abriu meus caminhos
Beija-flor
Frágil bater de essas
Só me beija e segue sua jornada
A força que você inspira
Deixou-me uma certeza:
Estou em harmonia com a natureza.

Eliane Rudey

 

 

LONGE

Longe vai meus pensamentos
Passeando entre beijos e sorrisos seus
Percorrendo lembranças
Que hoje mais parecem delírios

Longe vou

Escorregando aqui e ali

Numa Palavra, num olhar,

Num gesto de carinho

Longe estás

Meu amor

Deslizando entre meus sentidos

Muito intenso

Na batida do meu coração

Longe voa

Ferido

O pássaro preso pelos contratos surreais

Longe não existe

Para um amor que não se prende aos corpos

 

Eliane Rudey

PEQUENA FLORESTA ÍNTIMA

São as flores
Espalhadas pelos risos
Soltos aos milhares
Sem censura

Flores de ipê que enfeitaram

Nossos olhos

Em agosto

Em setembro

Emoldurando uma história

Que extrapolou os limites

São as flores do mal

De Baudelaire

Onde me demorei

Em profunda meditação

São as flores imaginárias

Nas proximidades da cidade

Que você me fez enxergar

Carregando seu perfume

São espinhos

Transformados em rosas

Numa beleza intangível

Enfeitam meu braço

E ensinam a superação

É um beija-flor

Tatuado na pele

Com as folhas da nossa floresta

Pra perpetuar nosso jardim

 

Eliane Rudey

 

 

EXPECTATIVA

Viajar para lugares distantes
Andar de mãos dadas
Dar risadas.

Quantos pensamentos
Dando piruetas
No meu coração vazio.

Eliane Rudey

 

 

LUAR DESVAIRADO

Lua cheia
Coração vazio
Cabeça de vento
Pés na estrada

Lua cansada

Coração na poeira

Cabeça em circuito

Pés nas nuvens

Pernas pra que te quero

 

Eliane Rudey

 

 

 

TAPIOCA

Hoje preparei tapioca
Do jeito que você gosta
Bem branquinha

Da forma que você pedia

E ficava preparado

Pra repetir

Eu ria

E te servia

Numa bandeja enfeitada

Tapioca

E outras carnes

Pois você tinha muita fome.

Eliane Rudey

CARINHOSO

Preciso pedir um favor
Uma coisa especial
Não me dê moral  
Não me dê tanta atenção

Não espalhe esse sorriso gentil

Esconda essa delicadeza no olhar

Seja indiferente.

Não sei lidar com pessoas doces

Costumo confundir as coisas

Esqueço a idade que tenho

Esqueço a distância

Coração palpita

Sonho acordada

Me perco em pensamentos

Querendo mais uma palavra.

Viva longe e feliz

Com outras gentes.

Me basta saber

Que você existe.

 

Eliane Rudey

BOA SORTE

Bem-me-quer
Bem-querer
Bem-dizer
Bem-viver

Quero seus olhos

Beijando minhas pétalas

Que seja sempre

Bem-me-quer

Que seja sempre

Escolha
Entusiasmo

Alegria

Que seja sempre

Bem-querer

Galho de arruda

Trevo de quatro folhas

Comigo ninguém pode

Espada de São Jorge

Que seja sempre

Bem-dizer

Viver essa leveza

Brincar igual criança

Nos campos de flores

Em nossa pequena floresta íntima.

Que seja sempre

Bem-viver

Despetalando os olhares

Alheios a nossa alegria

Despetalando os rancores

Sufrágio da nossa boemia.

Que seja sempre

Bem-me-quer

Bem querer

Bem dizer

Bem viver.

Eliane Rudey

VENDAVAL

Quando você veio 
Feito um vendaval,
Achei que nunca mais ia voltar.
Mas no outro dia, 
Escreveu as mais doces palavras.
Percebi que o seu amor 
Seria sempre um vento a soprar.

Eliane Rudey

LUAR

Mais um luar desperdiçado
Olhos longe a contemplar
A lua cheia vermelha
Reflexo do meu sangue a pulsar

O luar atrai meus olhos

E fico horas a questionar

Beleza e mistério no céu

Influências passageiras no ar

Movimenta os oceanos

Faz crescer os alimentos

Deixa meus cabelos bonitos

Enlouquece meus sentimentos

Faz transbordar meus líquidos,

Ciclos, salivas, lágrimas.

Lua cheia, noites quentes, 

Uivos para um amor ausente.

Eliane Rudey

DESATAR OS NÓS

De forma alguma
Eu quero parecer prepotente
Dizendo por aí que escrevo poesia
Eu escrevo todo dia
Eu escrevo pra mim
Eu escrevo pra ser feliz
Escrevo pra morrer de rir
São registros
Experiências
Que eu escrevo pra não pirar a cuca
Escrevo pra desatar os nós
Desatar os nós.

Eiane Rudey

INDIFERENÇA

Não é fácil
Ser ausência
Quando se deseja presença.
Não é fácil
Ser escuridão
Quando se reflete luz.
Não é fácil
Ser tristeza
Quando se persegue alegria.
Não é fácil
Ser voz
Quando se vive o silêncio.
Não é fácil!

Eliane Rudey

 

 

 

VISITA

Não sei qual a tua intenção
Com essa proposta indecente
Uma visitinha despretensiosa
Num final de tarde quente

Passei a noite em claro

O coração louco, desgovernado

Batendo em todo canto do corpo

Até no peito, no lado errado.

Eliane Rudey

QUEM EU SOU?

Eu dou minha verdade

E se recebo falsidade

Continuo sendo verdadeira

Eu dou gentileza

E se recebo truculência

Continuo oferecendo gentileza

Eu dou transparência

E se recebo dissimulação

Continuo sendo transparente

Eu dou abraços, cheiros e elogios

E se recebo desconfiança

Continuo sendo amável

Essa sou eu ...

Essa é minha essência

E continuo vivendo bem comigo mesma

Eliane Rudey

AS PALAVRAS

Lendo outros poetas,
Estou a contemplar.
Observo,
Pondero.

O que nos difere?

O que nos faz fortes?

O que torna você tão especial?

Tenho respostas, suposições,

Conjecturas tolas,

A poesia me fez enxergar,

E o escrever nos aproxima.

O papel aceita tudo

Planos,

Viagens, declarações, medos.

Exorcizamos nossos bichos,

Anonimamente, nos mostramos

Para o mundo.

Falamos sem medos

Dos controles,

Dos censores alheios.

Jorramos o que vem de dentro

Do pensamento

Do coração.

Falamos o que quer sair,

O que não dá pra engolir.

E a cada dia,

Espero conhecer mais histórias,

Bravuras publicadas.

Travessuras guardadas.

Um poeta é uma caixinha de surpresas.

Não perde o encanto.

Não vira tédio.

O que torna um livro não lido

Tão especial para mim

É o porvir,

São as palavras ainda não reveladas.

Essa poesia que nos alimenta todos os dias.

Eliane Rudey

NUA

Eu sou essa coisa que anda
E incomoda.
Provoco raiva.
O ódio das gentes convencionais.
Não sigo os padrões,
Abomino as fórmulas.
Sou inquieta,
Canso fácil
Do mi mi mi ...
Fico entediada com sonhos rasos,
Ou a pobreza de discurso.
Me regozijo em silêncio
Na piedade que desperto
Nos olhos mais distraídos.

Eliane Rudey

SOLIDÃO

Minhas poesias
São brincadeiras,
São presentes de amor
Pra você.

Sei que vamos ter dias difíceis.

Haverá momentos de dúvida,

Inquisição sobre o que sentimos.

Desejaremos nunca ter começado.

Ainda assim, eu quero.

Quero sua boca me dizendo amores.

Seu toque conduzindo a dança.

Sua virilidade arrancando meus temores!

Se você apareceu, assim,

Do fundo do baú da nossa história,

Tão disposto a me amar,

Quem sou eu pra duvidar?

Aproveito cada respiro suave da vida.

E vou até o dia que isso tudo vai passar.

E, assim, calmamente,

Voltarei pra minha tão egoísta solidão.

Eliane Rudey

UMA TAÇA DE VINHO TINTO

De tamanco rubro rosa
Desfilei sobre minhas neuras
Esmaguei minhas fobias
Tudo por uma taça de vinho tinto.

Rubra rosa eu,

Fecho os olhos

E ouço seus sussurros à luz incandescente.

Conto a você meus sonhos

E suas mãos grandes desenham 

Pequenos círculos

Em minhas costas nuas

Ações fora de controle

A flor e o espinho

E mais uma taça de vinho tinto.

Uvas: shiraz, carmenère, merlot

Queijos

Petiscos e olhares

E eu

Sempre medindo com beijos

Centímetro a centímetro do seu corpo doce.

Cumplicidades derramadas

Em taças de vinho forte.

Lençóis,

Toalhas,

Chamegos,

Tudo em vermelho intenso:

Amores líquidos por cada espaço da casa

E banhos lentos 

Intermináveis.

Beijos queimando o olhar,

Palpitar e admiração.

Sua poesia sobrecarrega 

Todo um universo em mim,

E mais uma taça de vinho bom.

Declamei corifeu do Vinícius

Você, Augusto dos Anjos

E rimos, o riso sem fim.

No domingo de rasgada solidão

Lavei nossas lembranças

Marcadas em vermelho vivo.

Lembranças de risos múltiplos

Rolhas gravadas com um coração,

Guardadas no fundo do vidro 

Dos desejos proibidos.

Lavei as taças,

e, sozinha, senti a pele ruborizar.

Eliane Rudey

A FEIRA

Uma sexta-feira especial
Ficará na lembrança para sempre.

Causou reflexos inusitados

Por horas,

Por dias,

No sábado, desfilei pela feira

Itinerante,

Insinuante,

E nesse andar

Alguma coisa sexy se manifestou

Em mim.

Uma entidade loira quase flutuava,

Por entre tapiocas e açaís.

E sorria secretamente,

Sorvendo todos os olhares nesse caminhar.

Suave,

Essa sensação permanece

E fico sorrindo secretamente.

No âmago da minha vaidade

Sei que a culpa é sua.

Por todos os beijos,

Todos os cheiros,

Arrepios,

Bem querer.

Reflexos inusitados

De um saudosismo carinhoso.

Depois de você,

Fico assim:

Sorrindo secretamente!

Eliane Rudey

JANELA

Por que choras
Mulher velha ?
Não vê que a vida passou
Enquanto você estava na janela.

Réstia de sol

Mostra seu passado

Pífio

Não deu à luz

Não suportou seus amores.

Abraçou a solidão.

Mulher velha

Olha na janela

E chora

Pela vida que não teve.

Eliane Rudey