24 outubro 2020

FILHO AUSENTE

 Lembranças da tua delicadeza
Tanta educação 
Fala suave
Tanto amor
Doado
Recebido
Na dose certa
Meu coração convalesce 
Longe


Eliane Rudey

 










Viagem à Rio Branco em 2018 para visitar o Pedro

PERDOAR

Quero segurar seu rosto entre minhas mãos
E generosamente,
Pedir perdão.
Perdão pelas escolhas ruins:
Por te deixar ficar próxima de pessoas tóxicas.
Perdão pelos arroubos da juventude:
Por deixar você sair sem rumo pelo mundo afora.
Perdão por deixar que te maltratassem:
E nunca tentar impedir sua humilhação.
E nem tampouco secar suas lágrimas...
Quando chorou por migalhas.
Perdão pelo coração latente
Que deixei você expor.


Eliane Rudey

DEAD LIKE ME

Sombras bizarras se arrastam na escuridão
A espreitar seus movimentos
As vezes navegam suaves
Desviando de suas pernas
Tentam tocar seus mistérios
Mas somem
Num piscar de olhos.

Depois aparecem de novo
Arredias...
As vezes vomitam ruídos
E sobrevoam livres
Por sobre as cabeças bêbadas
Felizes com as migalhas
E restos de depressão.

As vezes se arrastam
E se rasgam
Por sobre um chão de espinhos
Ouve-se o ranger:
Sussurros de tirania;
Descrenças que depreciam;
Estupros velados;
Torturas camufladas;
Violências vivas,
Espiam,
Não se afastam.

Assim,
Seguem nos becos
Carregando arqueadas
O peso do mundo
Esperando um dia
Encontrar a luz.

Eliane Rudey

A BICICLETA

Pedalando
Pelas ruas marrons
Da pequena cidade encardida
A garota de bicicleta verde
Veio de novo me visitar
Nem me lembro da última vez
Mas dessa eu não esperava
Estava de férias
Praia do Atalaia
Pará
E lá estava ela
Desfilando no palco
Dos meus pensamentos
Nostalgia
Agonia
Aquela pobre garota ingênua
Está sempre a espreitar
O que ela quer de mim?
Que revelações ainda restam?

Pedalando
Pelas ruas marrons
Da pequena cidade encardida
A garota de bicicleta verde
Em tempos passados andava distraída
Pedalando no mundo da lua
Desconhecia a maldade
Ignorava a miséria
Não tinha noção da crueldade
Mas sentia na pele a dor da violência
Cotidianamente
A que era submetida

Agora,
A todo instante volta pedalando
Pra me dizer
Pra seguir adiante
Romper as amarras
Não continuar encarcerada
Nas artimanhas e controles
Daqueles que imaginava amar.

Pedalando
Pelas ruas marrons
Da pequena cidade encardida
A garota de bicicleta verde
Quer me libertar.

Eliane Rudey
 

PASSOS

Passo o tempo
Tempo passa
Passageiros ...
Pensamentos
Posse.

Passa aqui
Passa lá
Passado...

Passos lentos
Molhados.

Eliane Rudey

21 outubro 2020

DESCOMPASSO

Passo o tempo
Tempo passa
Passageiros ...
Pensamentos
Posse.

Passa aqui
Passa lá
Passado...

Passos lentos
Molhados.

Eliane Rudey

VIAGEM NA LUZ DOS OLHOS TEUS

Encantosutopias, vazios ...
Minha estrela distante anos luz
Meu trovão envaidecido
Raio derretido
A luz que vem dos teus olhos
O brilho que erradia dos seus gestos
Me ensina a ser clara
Me transporta
Em relâmpago quando tenho que explodir
Em réstia quando é preciso me esconder.

Tua luz na minha escuridão
Se misturam
Se separam
Se confundem
Mas não se apagam...

Fazem promessas
De acender
Em noites nubladas
E se apagar
Na luz incandescente
E os dias passam lentos
Embalados na saudade desse seu riso exagerado.

 
Eliane Rudey
 

PROFESSOR POETA

Você me ensinou a aproximação
Hoje está distante demais

Você me ensinou a estar presente
Hoje se cala, ausente

Você me exigiu ser verdadeira
Hoje se esconde atrás de desculpas

Você me ensinou a não ter pressa
Hoje o meu relógio enlouqueceu

Você me ensinou a olhar nos olhos
Hoje nem consigo olhar no espelho

Você me ensinou a ser flor
Hoje minhas pétalas são levadas pelo vento

 
Eliane Rudey
 

RECEITA

 Junte uma porção de sonhos
Uma pitada de delírio
Algumas vontades secretas
Coragem a vontade

Junte algumas músicas antigas
Um pouco de saudosismo
Algumas garrafas de vinho
Poesias a vontade.

Duas a três horas de distância
Meia dúzia de lágrimas
Quilos e quilos de saudade...
Dramas a vontade.

Junte uma porção de palavras leves
Uma porção de carências
Disposição para falar todos os dias
Planos de viagens clandestinas

Misture tudo...
Dois corpos nus
Desejo, tesão, beijos
E vai esquentando até ferver.

Quando estiver ardendo
Picante até não aguentar mais
Deixe a paixão transbordar
E coma cru.

Eliane Rudey
 
 

DIAS DE DOR

Tenho acordado
Sem vontade de abrir os olhos
Sentindo apenas o peso da dor

Sinto-a em todos os poros
Latejando na minha pele
Transbordando pelos olhos

Meu café, almoço e janta
É uma cerveja amarga
Mantendo-me entorpecida na medida certa

Não tem lógica,
Não se pode chorar a perda
Do que nunca se poderia ter

Sei que é questão de tempo
Essa ferida vai fechar
Até não doer mais

Sigo em frente
Com as migalhas deixadas pelo caminho
Resgatando-me dessa viagem insólita

Não me canso de olhar suas fotos
Milhares delas
Espalhadas no chão da minha memória

Cada detalhe do seu corpo
Eu conheço
Me aventurei e me perdi

Então, reconheço seu abraço
Como o melhor lugar do mundo 
Pra se perder numa ilusão.

Eliane Rudey
 
 

14 outubro 2020

PEDRA NO CAMINHO

Já me perdi
No meio do caminho
Algumas vezes

Me perdi entre carinhos
Nunca tão polidos

Me perdi entre beijinhos
Nunca tão falados

Me perdi entre amassos
Nunca tão selvagens

No meio do caminho
Tinha um amor antigo
Amor perdido
Só esperando
Pra despertar

No meio do caminho
Tinha esperança
De palavras lindas
Nos silêncios
E no palpitar

No meio do caminho
Você se fez duro
Como pedra
As vezes espinhos
Pra me ferir
Questionar. 
No meio do caminho
Nasceu ciuminho
Psicopata no ar

Quis me dominar
Eu permiti e me deixei levar.
Sou curiosa,
Quero experimentar.

Tantas brincadeiras
Que jamais imaginei
Tantas revelações secretas
Somos cúmplices
Desse delírio... 

Mas minha Pedra no caminho
Precisa de um pouco de vinho
Para se soltar
Sair da sobriedade
Rir e fazer planos

Minha pedra no caminho,
Me perdoe Drummond*,
Eu quero tropeçar.

No meio do caminho
Também tinha soluçar,
Rochas, pedregulhos,
Arame farpado.
E a dor foi a melhor
Que já pude experimentar.

Eliane Rudey


* Referência ao poema "No Meio do Caminho" do poeta brasileiro  Carlos Drummond de Andrade

ABRAÇO

Aquele grande abraço no escuro,
retirou-me da minha zona de conforto
com tamanho aconchego.

Descobri-me em conflito,
bagunça louca.
Coração em descompasso.

Ora quero,
a generosidade dos seus braços.

Ora odeio,
aquele calor, aquele conforto.
Seu corpo perfeito.

Ora quero,
proteção,
cuidado.

Ora odeio,
a ilusão fácil.
Passageira.

Ora quero,
seu ombro certo, macio
e o coração disparado.

Ora odeio,
o vício de sensações descartáveis.
A vergonha do pulso acelerado.

Ora quero,
o encaixe mais que perfeito,
a confusão.
O universo paralelo.

Quanta indecisão:
quero permanecer naquele instante
e ao mesmo tempo
quero fugir feito louca
do interminável momento.

O fato é que,
tal experiência sutil,
eu preciso agradecer.

Por alguns segundos no mundo,
desejei ser pessoa melhor:
encaixe perfeito pra você.
 
Eliane Rudey

VENTO FORTE

Não importa  A ventania  Por causa de você  Vou até o fim Sem balançar  (Eliane Rudey)